"Use um lápis!"; digo a mim mesmo em uma tentativa de ajustar-me ao mundo, criativamente com a ideia de que seria até mais prático me ver tentado à usar a borracha, apagar meus erros em silêncio... Mas isso trairia algo de mais íntimo de mim, algo de mais profundo na habilidade mais terna e inata que detenho em vida: errar. Pintar o papel com tinta genuinamente me agrada, me sinto uma criança organizada, no lúdico empreendimento de meus termos e questões, brincando de viver sem grandes preocupações; enquanto um só com a tinta, minhas ambições são muitas, mas dentre tantas outras práticas cerceadas na magnitude burocrática da vivência contemporânea, pouca etiologia têm em uma vida de técnica, me sinto vivo ma partilha, no afeto, na busca, no amadurecimento, na vulnerabilidade cravada no papel, sem borracha, sem apagar o fato.
Alienar-me na morada da paz enquanto o mundo desaba parece ser um lembrete contínuo de que por hora, não há muito o que ser feito; quando me perguntam de minhas habilidades falo impetuosamente, sem o menor controle inibitório: "eu brinco de ter algumas!". Talvez eu só saiba brincar, mas brincar me leve ao saber com a alma muito do que é possível ser feito.
Afinal, de vivências, ajustamentos, regulações, aprendi a escrever minhas linhas, pintar minhas telas, ainda que a tinta eventualmente seque, ainda que a caneta falhe novamente em um momento crucial, a tinta escorra pelo papel e me lembre de que o fato é um recurso temporal, que minhas palavras permeadas pelo fenômeno da morte, terão sentido até o fim de suas possibilidades, até o último momento no qual meu coração bate, estarei vivo, escreverei meus erros de grafia repletos de quem eu estava sendo no momento da elaboração, enquanto eu estiver vivo, farei algo que possamos sentir juntos.
Canetas me frustram, sempre acabam rápido demais, sempre falham em meio aos sentimentos, à relação íntima com o mundo, demonstram a imprevisibilidade de que tanto corremos na vivência por quaisquer motivos, a falta, mas também o gracejo e a animosidade de quando acabarem possibilitarem outras tintas, outras formas, e se não houver tinta, outras expressões que escapem pelos dedos, pelo olhar, pela expressão, pela intenção, que percorram o tempo com o que quer que emerja de meus afetos espacializados.
Canetas me frustram, mas sempre retorno à elas, periodicamente sinto a vontade de marcar minhas palavras, minhas próprias palavras; e neste reino idiossincrático, ainda existe quem ande por meus muros, motivando-me a sair pelos portões do orgulhoso castelo no qual me escondo sob os tijolos estéticos da ilusória razão. Canetas me frustram, mas sempre retorno à elas, buscando com cada erro inapagável e cada ideia genuína facticamente escrita, não tão me ensimesmar.
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